terça-feira, 22 de agosto de 2017

CONTATOS IMEDIATOS NO EXCÊNTRICO MUNDO MUSICAL OU PSICOANALISANDO UMA RELAÇÃO COM A VERDADE SONORA


            Já posso dizer que desde o século passado tenho contato com o mundo da música. Não apenas com o mundo intimista que envolve a relação com o instrumento musical, as notas e as palavras que antecedem a música e a apresentação, mas aquele mundo dos cantores, músicos e compositores, famosos ou não. Me baseio em recordações breves ou não, recentes ou não, como sinteticamente diria Gilberto Gil. Posso começar com ele na lembrança de um tempo em que o próprio nem sonhava em ser ministro, ainda menos de Lula que exercitava suas lides nos sindicatos do ABC paulista. Encontrei Gil num grupo de tietagem na saída de um teatro no Bexiga, em Sampa. Estava então com 19,20 anos e ainda o tropicalismo inundava minha cabeça. Ele sorridente e simpático se aproximou do grupo e sapecava beijos na boca de todo mundo, indistintamente, sem preocupação com gênero ou vontade. Saí de fininho antes de chegar minha vez. Decididamente eu não estava preparado para tanta eloqüência baiana.
            Eloqüência não era mesmo a praia do pessoal do Tequila Baby quando passaram por um dos memoráveis Rock na Estação. Ainda em início de carreira se comportaram como superstars, com seguranças e assessorias complicando o contato pessoal. Casualmente troquei algumas palavras com o vocalista, dando tanto importância ao fato que nem me lembro o nome da figura.
            Figura mesmo era Cornélius. O nome já dá uma idéia daquele ser andrógino e carismático que liderava a banda Made in Brasil. Em uma madrugada no parque do Ibirapuera no tempo em que se faziam verdadeiros festivais de rock, sentou na grama e contou histórias incríveis sobre o que era fazer rock na periferia da maior cidade da América Latina.  Cornélius tinha quase dois metros de altura, articulado, falante e nordestino.
            Nordestino era o falso sotaque dos Raimundos que conheci nos corredores da rádio Champanhe FM. Faziam suas primeiras apresentações no sul e passaram pelo ginásio de Garibaldi em um show para alguns gatos pingados.  Embalados pelo sucesso daquela já esquecida música do selim da bicicleta faziam divulgação no programa do Juca, o caminhante noturno.
            Noturnos eram os hábitos de Oswaldo Montenegro. O autor dos bandolins permitiu aproximação sincera quando participou de uma Fenachamp em tempos idos. Eu gravava umas entrevistas e permeado pelo vinho conversamos por um bom tempo.  Pediu até que o apresentasse ao público inquieto que o esperava no circo montado para os shows. Durante o show me dedicou uma música: O chato!
            Chato foi ficar esperando Alice Cooper aparecer na janela do hotel em que estava hospedado em plena Avenida São João. Ainda na pós-adolescência, a falta de senso de ridículo me fez ficar postado até que o maquiado roqueiro aparecesse e abanasse do qüinquagésimo andar. Esperava mais, talvez que ele se atirasse e saísse voando...sei lá! Mas tudo valia a pena, como diria Pessoa, talvez pela alma.
            Alma explícita e atenta, ficou revelada pelo cartão enviado pela turma do Pato Fú depois de receberem o disco do Mágica Ilusão. Assim também se revelou Gutemberg Guarabyra, do Sá, Rodrix e Guarabyra. Depois da viagem de Zé Rodrix ainda encontrei com Sá e Guarabyra em Garibaldi numa apresentação relâmpago num Festival Literário aonde pude descolar autógrafos na coleção de vinís que já faz parte da herança do Antônio, meu neto. Ainda consegui um abraço do Guarabyra em outra tarde no varejo da Tramontina graças a um toque do parceiro Giovani, outro fã declarado do rock rural.Poucas palavras, mas com um toque de sensibilidade que marcou de maneira profunda. 
            Profunda é a emoção de ver alguém cantar e tocar o que acredita e não o que querem que cante e toque. Mas como se sabe se o que se está ouvindo carrega verdade? É fácil...olhe bem nos olhos do artista. Se em um cantinho qualquer destes olhos você encontrar um brilho estranho, é de verdade pura o que está cantando ou tocando. Não importa se é para dez, cem, mil ou milhares. Não importa nem se ele enxerga com estes olhos. A verdade de sua arte se reflete pelo brilho dos olhos. É coisa mágica, reflete alma, transparência de vida.