Já posso dizer que desde o século
passado tenho contato com o mundo da música. Não apenas com o mundo intimista
que envolve a relação com o instrumento musical, as notas e as palavras que
antecedem a música e a apresentação, mas aquele mundo dos cantores, músicos e
compositores, famosos ou não. Me baseio em recordações breves ou não, recentes
ou não, como sinteticamente diria Gilberto Gil. Posso começar com ele na
lembrança de um tempo em que o próprio nem sonhava em ser ministro, ainda menos
de Lula que exercitava suas lides nos sindicatos do ABC paulista. Encontrei Gil
num grupo de tietagem na saída de um teatro no Bexiga, em Sampa. Estava então
com 19,20 anos e ainda o tropicalismo inundava minha cabeça. Ele sorridente e
simpático se aproximou do grupo e sapecava beijos na boca de todo mundo,
indistintamente, sem preocupação com gênero ou vontade. Saí de fininho antes de
chegar minha vez. Decididamente eu não estava preparado para tanta eloqüência
baiana.
Eloqüência não era mesmo a praia do
pessoal do Tequila Baby quando passaram por um dos memoráveis Rock na Estação.
Ainda em início de carreira se comportaram como superstars, com seguranças e
assessorias complicando o contato pessoal. Casualmente troquei algumas palavras
com o vocalista, dando tanto importância ao fato que nem me lembro o nome da
figura.
Figura mesmo era Cornélius. O nome
já dá uma idéia daquele ser andrógino e carismático que liderava a banda Made
in Brasil. Em uma madrugada no parque do Ibirapuera no tempo em que se faziam
verdadeiros festivais de rock, sentou na grama e contou histórias incríveis
sobre o que era fazer rock na periferia da maior cidade da América Latina. Cornélius tinha quase dois metros de altura,
articulado, falante e nordestino.
Nordestino era o falso sotaque dos
Raimundos que conheci nos corredores da rádio Champanhe FM. Faziam suas
primeiras apresentações no sul e passaram pelo ginásio de Garibaldi em um show
para alguns gatos pingados. Embalados
pelo sucesso daquela já esquecida música do selim da bicicleta faziam
divulgação no programa do Juca, o caminhante noturno.
Noturnos eram os hábitos de Oswaldo
Montenegro. O autor dos bandolins permitiu aproximação sincera quando
participou de uma Fenachamp em tempos idos. Eu gravava umas entrevistas e
permeado pelo vinho conversamos por um bom tempo. Pediu até que o apresentasse ao público
inquieto que o esperava no circo montado para os shows. Durante o show me
dedicou uma música: O chato!
Chato foi ficar esperando Alice
Cooper aparecer na janela do hotel em que estava hospedado em plena Avenida São
João. Ainda na pós-adolescência, a falta de senso de ridículo me fez ficar
postado até que o maquiado roqueiro aparecesse e abanasse do qüinquagésimo
andar. Esperava mais, talvez que ele se atirasse e saísse voando...sei lá! Mas
tudo valia a pena, como diria Pessoa, talvez pela alma.
Alma explícita e atenta, ficou
revelada pelo cartão enviado pela turma do Pato Fú depois de receberem o disco
do Mágica Ilusão. Assim também se revelou Gutemberg Guarabyra, do Sá, Rodrix e
Guarabyra. Depois da viagem de Zé Rodrix ainda encontrei com Sá e Guarabyra em Garibaldi numa apresentação relâmpago num Festival Literário aonde pude descolar autógrafos na coleção de vinís que já faz parte da herança do Antônio, meu neto. Ainda consegui um abraço do Guarabyra em outra tarde no varejo da Tramontina graças a um toque do parceiro Giovani, outro fã declarado do rock rural. Poucas palavras, mas com um toque de sensibilidade que marcou de maneira profunda.
Profunda é a emoção de ver alguém
cantar e tocar o que acredita e não o que querem que cante e toque. Mas como se
sabe se o que se está ouvindo carrega verdade? É fácil...olhe bem nos olhos do
artista. Se em um cantinho qualquer destes olhos você encontrar um brilho
estranho, é de verdade pura o que está cantando ou tocando. Não importa se é
para dez, cem, mil ou milhares. Não importa nem se ele enxerga com estes olhos.
A verdade de sua arte se reflete pelo brilho dos olhos. É coisa mágica, reflete
alma, transparência de vida.